quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Código penal da vida futura (Allan Kardec – O Céu e o Inferno)



Princípios da Doutrina Espírita sobre as penas futuras

No que respeita às penas futuras, assim como sucede nos seus demais pontos, a Doutrina Espírita não se baseia sobre uma teoria preconcebida. Não é um sistema substituindo outro sistema: em tudo ela se apoia nas observações, e é isso que faz a sua autoridade. Ninguém jamais imaginou que as almas, depois da morte, se encontrariam em tal ou qual situação; são elas, essas mesmas almas que partiram da Terra, que hoje nos vêm iniciar nos mistérios da vida futura, descrever-nos sua posição feliz ou desventurada, suas impressões e a transformação por que passaram pela morte do corpo. Numa palavra, vêm completar os ensinamentos do Cristo sobre este ponto.

Não se trata aqui das revelações de um único Espírito, que poderia ver as coisas do seu ponto de vista, sob um só aspecto, ou ser ainda dominado pelos preconceitos da vida terrena; tampouco se trata de uma revelação feita exclusivamente a um indivíduo que pudesse deixar-se levar pelas aparências, ou de uma visão extática, que se presta a ilusões e que não passa, muitas vezes, de reflexo de uma imaginação exaltada. (55)

Trata-se, sim, de inúmeros exemplos fornecidos por Espíritos de todas as categorias, desde os mais elevados até os mais inferiores da escala, por meio de outros tantos intermediários disseminados em todos os pontos da Terra, de sorte que a revelação não é privilégio de pessoa alguma, pois todos podem ver e observar e ninguém é obrigado a crer pela crença dos outros.

Código penal da vida futura

O Espiritismo não vem, pois, com a sua autoridade particular, formular um código de fantasia; a sua lei, no que respeita ao futuro da alma, deduzida da observação dos fatos, pode resumir-se nos seguintes pontos:

1o) A alma ou Espírito sofre na vida espiritual as consequências de todas as imperfeições de que não se libertou durante a vida corpórea. O seu estado, feliz ou infeliz, é inerente ao seu grau de depuração ou de imperfeição.

2o) A felicidade perfeita é inerente à perfeição, isto é, à completa depuração do Espírito. Toda imperfeição é, ao mesmo tempo, causa de sofrimento e de privação de gozo, do mesmo modo que toda qualidade adquirida é fonte de gozo e de atenuação dos sofrimentos.

3o) Não há uma única imperfeição da alma que não acarrete consequências funestas e inevitáveis, como não há uma só qualidade boa que não seja fonte de um gozo. A soma das penas é assim proporcional à soma das imperfeições, como a dos gozos é proporcional à soma das qualidades. A alma que tem dez imperfeições, por exemplo, sofre mais do que a que só tem três ou quatro; quando dessas dez imperfeições não lhe restar mais que metade ou um quarto, sofrerá menos; e quando extintas por completo, não sofrerá mais e será perfeitamente feliz. O mesmo se dá na Terra: quem tem muitas moléstias sofre mais do que quem tem apenas uma ou nenhuma. Pela mesma razão, a alma que possui dez qualidades tem mais gozos do que outra menos rica de boas qualidades.

4o) Em virtude da lei do progresso que dá a toda alma a possibilidade de adquirir o bem que lhe falta, como de despojar-se do que tem de mau, conforme sua vontade e seus esforços, resulta que o futuro é aberto a todas as criaturas. Deus não repudia nenhum de seus filhos. Ele os recebe em seu seio à medida que alcançam a perfeição, deixando assim a cada um o mérito das suas obras.

5o) Sendo o sofrimento inerente à imperfeição, como o gozo à perfeição, a alma traz em si mesma o próprio castigo ou prêmio, onde quer que se encontre, sem necessidade de lugar circunscrito. O inferno está por toda parte em que haja almas sofredoras, como o céu se acha por toda parte onde existam almas felizes.

6o) O bem e o mal que fazemos resultam das qualidades que possuímos. Não fazer o bem quando podemos é, portanto, o resultado de uma imperfeição. Se toda imperfeição é fonte de sofrimento, o Espírito deve sofrer não somente pelo mal que fez, como por todo o bem que poderia ter feito, mas não fez na vida terrena.

7o) O Espírito sofre pelo mal que fez, de maneira que, sendo a sua atenção constantemente dirigida para as consequências desse mal, melhor compreende os seus inconvenientes e trata de corrigir-se.

8o) Sendo infinita a Justiça de Deus, o bem e o mal são rigorosamente considerados, não havendo uma só ação, um só pensamento mau que não tenha consequências fatais, como não há uma única ação meritória, um só bom impulso da alma que se perca, mesmo para os mais perversos, visto que tais ações constituem um começo de progresso.

9o) Toda falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída que deverá ser paga; se não o for em uma existência, sê-lo-á na seguinte ou seguintes, porque todas as existências são solidárias entre si. Aquele que se quita numa existência não terá necessidade de pagar uma segunda vez.

10o) O Espírito sofre, quer no mundo corpóreo, quer no espiritual, a consequência das suas imperfeições. Todas as misérias, todas as vicissitudes padecidas na vida corpórea, são oriundas das nossas imperfeições, são expiações de faltas cometidas na presente ou em anteriores existências. Pela natureza dos sofrimentos e vicissitudes da vida corpórea, pode-se julgar a natureza das faltas cometidas em anterior existência, bem como das imperfeições que lhes deram causa.

11o) A expiação varia segundo a natureza e gravidade da falta, podendo, portanto, a mesma falta determinar expiações diversas, conforme as circunstâncias, atenuantes ou agravantes, nas quais foi cometida.

12o) Não há regra absoluta nem uniforme quanto à natureza e duração do castigo; a única lei geral é que toda falta terá punição e todo ato meritório será recompensado, segundo o seu valor.

13o) A duração do castigo está subordinada à melhoria do Espírito culpado. Nenhuma condenação por tempo determinado lhe é prescrita. O que Deus exige para pôr termo aos sofrimentos é um melhoramento sério, efetivo, sincero, de volta ao bem.

Deste modo, o Espírito é sempre o árbitro da própria sorte, podendo prolongar os sofrimentos pela persistência no mal, ou suavizá-los e abreviá-los pela prática do bem. Uma condenação por tempo predeterminado teria o duplo inconveniente de fazer o Espírito continuar sofrendo inutilmente depois de melhorado, ou de libertá-lo do sofrimento quando ainda permanecesse no mal. Deus, que é justo, só pune o mal quando existe, e deixa de o punir quando não existe mais.(56) Ou, se quisermos, sendo o mal moral a própria causa de sofrimento, este persistirá somente enquanto aquele subsistir, ou diminuirá de intensidade à medida que o mal for desaparecendo.

14o) Como a duração do castigo depende da melhoria do Espírito, o culpado que nunca melhorasse sofreria sempre e, para ele, a pena seria eterna.

15o) Uma condição inerente à inferioridade dos Espíritos é não entreverem o termo da situação em que se acham e acreditarem que sofrerão para sempre, o que faz que tais castigos lhes pareçam eterno.(57)

16o) O arrependimento é o primeiro passo para a regeneração, mas não é suficiente, sendo necessárias ainda a expiação e a reparação.

Arrependimento, expiação e reparação são as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas consequências. O arrependimento suaviza as dores da expiação, abrindo pela esperança o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão seria uma graça, e não uma anulação das faltas cometidas.

17o) O arrependimento pode dar-se por toda parte e em qualquer tempo; se for tardio, o culpado sofrerá por muito mais tempo.

A expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais que são a consequência da falta cometida, seja na vida atual, seja na vida espiritual após a morte, ou ainda em nova existência corpórea, até que os últimos vestígios da falta tenham desaparecido.

A reparação consiste em fazer o bem a quem se havia feito o mal. Quem não repara os seus erros nesta vida, por fraqueza ou má vontade, achar-se-á numa existência posterior em contato com as mesmas pessoas a quem prejudicou, e em condições voluntariamente escolhidas, de modo a demonstrar-lhes o seu devotamento e fazer-lhes tanto bem quanto mal lhes tenha feito.

Nem todas as faltas acarretam prejuízo direto e efetivo. Em tais casos a reparação se opera fazendo-se o que se deveria fazer e não foi feito; cumprindo os deveres desprezados, as missões não executadas; praticando o bem em compensação ao mal praticado, isto é, tornando-se humilde se foi orgulhoso, amável se foi austero, caridoso se foi egoísta, benevolente se foi perverso, laborioso se foi ocioso, útil se foi inútil, moderado se foi dissoluto, exemplar se foi mau etc. É assim que o Espírito progride, aproveitando-se do próprio passado.(58)

18o) Os Espíritos imperfeitos são excluídos dos mundos felizes, cuja harmonia perturbariam. Ficam nos mundos inferiores a expiarem suas faltas pelas tribulações da vida, e se depurando das imperfeições até que mereçam encarnar em mundos mais adiantados moral e fisicamente. Se se pode conceber um lugar circunscrito de castigo, tal lugar é, sem dúvida, nesses mundos de expiação, em torno dos quais pululam Espíritos imperfeitos desencarnados, à espera de novas existências que lhes permitam reparar o mal que fizeram e os auxiliem a progredir.

19o) Como o Espírito tem sempre o livre-arbítrio, seu progresso por vezes é lento, e tenaz a sua obstinação no mal. Nesse estado pode persistir anos e séculos; entretanto, chega por fim um momento em que a sua teimosia se modifica pelo sofrimento e, a despeito da sua bazófia, reconhece o poder superior que o domina. Então, desde que se manifestam os primeiros clarões de arrependimento, Deus lhe faz entrever a esperança. Nenhum Espírito está condenado a não progredir, seja quando for; de outro modo, estaria fatalmente destinado à eterna inferioridade e escaparia da lei do progresso, que rege providencialmente todas as criaturas.

20o) Sejam quais forem a inferioridade e a perversidade dos Espíritos, Deus jamais os abandona. Todos têm seu anjo da guarda que por eles vela, que lhes espreitam os movimentos da alma e se esforçam por suscitar-lhes bons pensamentos, desejos de progredir e de reparar em nova existência o mal que praticaram. Contudo, a interferência desse guia protetor faz-se quase sempre de maneira oculta, sem exercer qualquer pressão, pois o Espírito deve progredir por impulso da própria vontade, e não por um constrangimento qualquer. Agirá bem ou mal em virtude do seu livre-arbítrio, mas sem ser fatalmente impelido num sentido ou em outro. Se persistir no mal, sofrerá as consequências por tanto tempo quanto durar essa persistência; desde, porém, que dê um passo em direção ao bem, sentirá imediatamente os seus efeitos benéficos.

Observação – Seria erro supor que, em virtude da lei de progresso, a certeza de atingir mais cedo ou mais tarde a perfeição e a felicidade pode estimular o homem a perseverar no mal, contanto que se arrependa depois: primeiro porque o Espírito inferior não divisa o termo da sua situação; e segundo porque, sendo ele o autor da própria infelicidade, acaba por compreender que depende de si fazê-la cessar; que será tanto mais infeliz quanto maior for o tempo em que perseverar no mal; finalmente, que o sofrimento nunca cessará se ele próprio não lhe der fim. Seria, pois, um cálculo equivocado, cujas consequências o Espírito seria o primeiro a reconhecer. Com o dogma das penas irremissíveis é que se verifica, precisamente, essa hipótese, já que lhe é interdita para sempre toda ideia de esperança, não tendo, pois, o homem qualquer interesse em converter-se ao bem, para ele sem proveito.

Diante dessa lei cai a objeção tirada da presciência divina. De fato Deus sabe, ao criar uma alma, se ela tomará ou não o bom caminho, pois que dispõe do seu livre-arbítrio; sabe que será punida se fizer o mal; mas sabe também que tal castigo temporário é um meio de fazê-la compreender o erro e de levá-la ao bom caminho, onde entrará mais cedo ou mais tarde. Segundo a doutrina das penas eternas, Deus sabe que essa alma falirá e, portanto, que está previamente condenada a torturas sem-fim.

21o) Cada criatura só é responsável pelas próprias faltas. Ninguém sofre por erros alheios, a não ser que os tenha gerado, quer provocando-os pelo exemplo, quer não os impedindo quando poderia fazê-lo. Assim, por exemplo, o suicida é sempre punido; mas aquele que maldosamente impele alguém ao desespero e o leva a suicidar-se, esse sofre ainda maior pena.

22o) Embora a diversidade de punições seja infinita, existem algumas que são inerentes à inferioridade dos Espíritos, e cujas consequências, salvo pormenores, são mais ou menos idênticas.

A punição mais imediata, sobretudo aos que se acham apegados à vida material com prejuízo do progresso espiritual, consiste na lentidão do desprendimento da alma, nas angústias que acompanham a morte e o despertar na outra vida e na consequente perturbação que pode estender-se por meses e anos. Naqueles, ao contrário, que têm pura a consciência, e que desde a vida material já se haviam identificado com a vida espiritual e desligado das coisas materiais, a separação é rápida e sem abalos, o despertar é pacífico e a turbação por que passam é quase nula.

23o) Um fenômeno muito frequente entre os Espíritos de certa inferioridade moral consiste em se acreditarem ainda vivos, podendo esta ilusão se prolongar por muitos anos, durante os quais eles experimentarão todas as necessidades, todos os tormentos e todas as perplexidades da vida.

24o) Para o criminoso, a presença incessante de suas vítimas e das circunstâncias do crime é um suplício cruel.

25o) Alguns Espíritos estão mergulhados em densas trevas; outros se encontram em absoluto isolamento no Espaço, atormentados pela ignorância de sua posição, como da sorte que os aguarda. Os mais culpados sofrem torturas muito mais pungentes por não lhes entreverem um termo. Muitos são privados de ver os seres amados, e todos, geralmente, suportam com intensidade relativa os males, as dores e as privações que causaram aos outros, até que o arrependimento e o desejo de reparação lhes suavize os tormentos e os faça entrever a possibilidade de, por eles mesmos, pôr um termo a essa situação.

26o) Para o orgulhoso é um suplício ver colocados acima dele, cheios de glória e cercados de todas as atenções, os que na Terra havia desprezado, enquanto ele é relegado aos últimos lugares. O hipócrita vê desvendados, penetrados e lidos por todo o mundo os seus mais secretos pensamentos, sem que os possa ocultar ou dissimular. O sensual é presa de todas as tentações, de todos os desejos, sem poder saciá-los; o avarento vê o seu ouro dilapidado e não pode retê-lo. O egoísta se vê desamparado por todos e sofre as consequências da sua atitude terrena: terá sede e fome, mas ninguém lhe dará de beber, nem de comer; nenhuma mão amiga virá apertar a sua, nenhuma voz compassiva virá consolá-lo, pois só pensou em si durante a vida, de modo que ninguém agora pensa nele nem o lamenta após a morte.

27o) O único meio de evitar ou atenuar as consequências futuras de uma falta é desfazer-se o mais possível dos seus defeitos na vida presente, reparando aqui mesmo o mal praticado para não ter de repará-lo mais tarde e de maneira mais terrível. Quanto mais demorarmos em combater os nossos defeitos, tanto mais rigorosas e penosas serão as consequências e a reparação que tivermos de fazer.

28o) A situação do Espírito, desde a sua entrada no mundo espiritual, não é outra senão a que ele mesmo preparou para si na vida corpórea. Mais tarde lhe será concedida outra encarnação para novas provas de expiação e reparação, com maior ou menor proveito, o que vai depender do seu livre-arbítrio; se não souber aproveitá-la, terá de recomeçar outras, cada vez em condições mais penosas, de sorte que se pode dizer que aquele que muito sofre na Terra, tinha muito a expiar; e os que gozam uma felicidade aparente, a despeito dos seus vícios e inutilidades, haverão de pagá-la muito caro numa existência posterior. Foi nesse sentido que Jesus falou: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados.” (O evangelho segundo o espiritismo, cap. V.)

29o) Certamente a misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega. O culpado que ela perdoou não fica dispensado de reparar suas faltas e, enquanto não houver satisfeito à justiça, sofre as consequências dos seus erros. Por infinita misericórdia devemos entender que Deus não é inexorável, pois deixa sempre aberto ao culpado o caminho da redenção.

30o) Por serem temporárias e subordinadas ao arrependimento e à reparação, que dependem da vontade humana, as penas constituem, ao mesmo tempo, castigos e remédios que auxiliam a curar as chagas do mal. Os Espíritos em prova não são, pois, quais galés, condenados a trabalhos forçados, devendo, ao contrário, ser vistos como doentes de hospital. Como estes, padecem de enfermidades que muitas vezes resultam da própria incúria, reclamando meios curativos mais ou menos dolorosos. A cura será tanto mais rápida quanto mais estritamente observadas forem as prescrições do médico assistente. Se os doentes, pelo próprio descuido de si mesmos, deixarem que a enfermidade se prolongue, o médico nada terá a ver com isso.

31o) Às penas que o Espírito sofre na vida espiritual vêm somar-se as da vida corpórea, que são consequentes às imperfeições do homem, às suas paixões, ao mau uso das suas faculdades e à expiação de faltas presentes e passadas. É na vida corpórea que o Espírito repara o mal praticado em existências anteriores, pondo em prática resoluções tomadas na vida espiritual. Assim se explicam as misérias e vicissitudes mundanas que, à primeira vista, parecem não ter razão de ser, quando na verdade são justas, já que foram determinadas no passado e servem para o nosso adiantamento.(59)

32o) Deus, pergunta-se, não daria maior prova de amor por suas criaturas se as tivesse criado infalíveis e, por conseguinte, isentas das vicissitudes inerentes à imperfeição? Para tanto, seria preciso que Ele criasse seres perfeitos, nada mais tendo a adquirir, quer em conhecimentos, quer em moralidade. É fora de dúvida que Deus poderia fazê-lo, e se não o fez é que em sua sabedoria quis que o progresso constituísse lei geral. Os homens são imperfeitos e, como tais, sujeitos a vicissitudes mais ou menos penosas. Esse é um fato que temos de aceitar, já que existe. Concluir por isso que Deus não é bom nem justo, seria revoltar-se contra a sua Lei.

Haveria injustiça se Ele houvesse criado seres privilegiados, mais ou menos favorecidos, fruindo gozos sem qualquer esforço, que outros não atingem senão pelo trabalho ou que jamais pudessem atingir. Ao contrário, a Justiça divina patenteia-se na igualdade absoluta que preside à criação de todos os Espíritos; todos têm o mesmo ponto de partida e ninguém se distingue em sua formação por ser mais favorecido do que outro; nenhum cuja marcha progressiva se facilite por exceção: os que chegam ao fim têm passado, como os demais, pelas fases da inferioridade e respectivas provas.

Admitindo-se isso, nada mais justo que a liberdade de ação concedida a cada um. O caminho da felicidade se abre para todos, o objetivo de todos é o mesmo, as condições para atingi-lo são as mesmas, e a lei, gravada em todas as consciências, é ensinada a todos. Deus fez da felicidade o prêmio do trabalho, e não do favoritismo, para que cada um tivesse seu mérito. Todos são livres para trabalhar ou nada fazer em favor do seu progresso; aquele que trabalha muito e depressa recebe a recompensa mais cedo; quem se desgarra ou perde tempo no caminho retarda a chegada e não pode queixar-se senão de si mesmo. O bem e o mal são voluntários e facultativos; sendo livre, o homem não é fatalmente impelido nem para um, nem para outro.

33o) Apesar da diversidade de gêneros e graus de sofrimentos dos Espíritos, o código penal da vida futura pode resumir-se nestes três princípios:

1. O sofrimento é inerente à imperfeição.

2. Toda imperfeição, assim como toda falta que dela resulta, traz consigo o próprio castigo em suas consequências naturais e inevitáveis. Assim a doença decorre dos excessos e o tédio da ociosidade, sem que haja necessidade de uma condenação especial para cada falta ou indivíduo.

3. Como todo homem pode libertar-se das imperfeições, desde que o queira, pode igualmente anular os males consequentes e assegurar a sua felicidade futura.

A cada um segundo as suas obras, no Céu como na Terra — tal é a lei da Justiça divina.


NOTAS:

(55) Nota de Allan Kardec: Veja-se o capítulo VI, item 7, e O livro dos espíritos, questões 443 e 444.

(56) Nota de Allan Kardec: Veja-se o capítulo VI, item 25, citação de Ezequiel.

(57) Nota de Allan Kardec: Perpétuo é sinônimo de eterno. Diz-se: o limite das neves perpétuas; o eterno gelo dos polos; também se diz: o secretário perpétuo da Academia, o que não significa que o seja para sempre, mas unicamente por tempo ilimitado. Eterno e perpétuo se empregam, pois, no sentido de indeterminado. Nesta acepção, pode-se dizer que as penas são eternas, para exprimir que não têm duração limitada. São eternas para o Espírito que não lhes vê o termo.

(58) Nota de Allan Kardec: A necessidade da reparação é um princípio de rigorosa justiça, que se pode considerar como a verdadeira lei de reabilitação moral dos Espíritos. Entretanto, até agora é uma doutrina que religião alguma proclamou. Algumas pessoas a repelem porque acham mais cômodo se quitarem das más ações por um simples arrependimento, mediante algumas fórmulas que não custam mais que palavras. Crendo-se quites com isso, só mais tarde verão que não bastava apenas o arrependimento. Nós poderíamos lhes perguntar se esse princípio não é consagrado pela lei humana e se a Justiça divina pode ser inferior à dos homens. E mais, se essas leis se dariam por desafrontadas, desde que o indivíduo que as transgredisse, por abuso de confiança, se limitasse a dizer que as respeita infinitamente. Por que recuariam diante da obrigação que todo homem honesto se impõe como dever, segundo o grau de suas forças? Quando esta perspectiva de reparação for inculcada na crença das massas, será um outro freio aos seus desmandos, e bem mais poderoso que o inferno e as penas eternas, porque interessa à vida em sua plena atualidade, podendo o homem compreender a procedência das circunstâncias que a tornam penosa ou a sua verdadeira situação.

(59) Nota de Allan Kardec: Veja-se Primeira Parte, cap. V, O purgatório, item 3 e seguintes e, mais adiante, na Segunda Parte, cap. VIII, Expiações terrestres. Veja-se também O evangelho segundo o espiritismo, cap. V, Bem-aventurados os aflitos.


Fonte: O Céu e o Inferno (Allan Kardec. Editora FEB. 2003) (tradução da obra publicada originalmente na França, em 1865).

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