Princípios
da Doutrina Espírita sobre as penas futuras
No
que respeita às penas futuras, assim como sucede nos seus demais
pontos, a Doutrina Espírita não se baseia sobre uma teoria
preconcebida. Não é um sistema substituindo outro sistema: em tudo
ela se apoia nas observações, e é isso que faz a sua autoridade.
Ninguém jamais imaginou que as almas, depois da morte, se
encontrariam em tal ou qual situação; são elas, essas mesmas almas
que partiram da Terra, que hoje nos vêm iniciar nos mistérios da
vida futura, descrever-nos sua posição feliz ou desventurada, suas
impressões e a transformação por que passaram pela morte do corpo.
Numa palavra, vêm completar os ensinamentos do Cristo sobre este
ponto.
Não
se trata aqui das revelações de um único Espírito, que poderia
ver as coisas do seu ponto de vista, sob um só aspecto, ou ser ainda
dominado pelos preconceitos da vida terrena; tampouco se trata de uma
revelação feita exclusivamente a um indivíduo que pudesse
deixar-se levar pelas aparências, ou de uma visão extática, que se
presta a ilusões e que não passa, muitas vezes, de reflexo de uma
imaginação exaltada. (55)
Trata-se,
sim, de inúmeros exemplos fornecidos por Espíritos de todas as
categorias, desde os mais elevados até os mais inferiores da escala,
por meio de outros tantos intermediários disseminados em todos os
pontos da Terra, de sorte que a revelação não é privilégio de
pessoa alguma, pois todos podem ver e observar e ninguém é obrigado
a crer pela crença dos outros.
Código
penal da vida futura
O
Espiritismo não vem, pois, com a sua autoridade particular, formular
um código de fantasia; a sua lei, no que respeita ao futuro da alma,
deduzida da observação dos fatos, pode resumir-se nos seguintes
pontos:
1o)
A alma ou Espírito sofre na vida espiritual as consequências de
todas as imperfeições de que não se libertou durante a vida
corpórea. O seu estado, feliz ou infeliz, é inerente ao seu grau de
depuração ou de imperfeição.
2o)
A felicidade perfeita é inerente à perfeição, isto é, à
completa depuração do Espírito. Toda imperfeição é, ao mesmo
tempo, causa de sofrimento e de privação de gozo, do mesmo modo que
toda qualidade adquirida é fonte de gozo e de atenuação dos
sofrimentos.
3o)
Não há uma única imperfeição da alma que não acarrete
consequências funestas e inevitáveis, como não há uma só
qualidade boa que não seja fonte de um gozo. A soma das penas é
assim proporcional à soma das imperfeições, como a dos gozos é
proporcional à soma das qualidades. A alma que tem dez imperfeições,
por exemplo, sofre mais do que a que só tem três ou quatro; quando
dessas dez imperfeições não lhe restar mais que metade ou um
quarto, sofrerá menos; e quando extintas por completo, não sofrerá
mais e será perfeitamente feliz. O mesmo se dá na Terra: quem tem
muitas moléstias sofre mais do que quem tem apenas uma ou nenhuma.
Pela mesma razão, a alma que possui dez qualidades tem mais gozos do
que outra menos rica de boas qualidades.
4o)
Em virtude da lei do progresso que dá a toda alma a possibilidade de
adquirir o bem que lhe falta, como de despojar-se do que tem de mau,
conforme sua vontade e seus esforços, resulta que o futuro é aberto
a todas as criaturas. Deus não repudia nenhum de seus filhos. Ele os
recebe em seu seio à medida que alcançam a perfeição, deixando
assim a cada um o mérito das suas obras.
5o)
Sendo o sofrimento inerente à imperfeição, como o gozo à
perfeição, a alma traz em si mesma o próprio castigo ou prêmio,
onde quer que se encontre, sem necessidade de lugar circunscrito. O
inferno está por toda parte em que haja almas sofredoras, como o céu
se acha por toda parte onde existam almas felizes.
6o)
O bem e o mal que fazemos resultam das qualidades que possuímos. Não
fazer o bem quando podemos é, portanto, o resultado de uma
imperfeição. Se toda imperfeição é fonte de sofrimento, o
Espírito deve sofrer não somente pelo mal que fez, como por todo o
bem que poderia ter feito, mas não fez na vida terrena.
7o)
O Espírito sofre pelo mal que fez, de maneira que, sendo a sua
atenção constantemente dirigida para as consequências desse mal,
melhor compreende os seus inconvenientes e trata de corrigir-se.
8o)
Sendo infinita a Justiça de Deus, o bem e o mal são rigorosamente
considerados, não havendo uma só ação, um só pensamento mau que
não tenha consequências fatais, como não há uma única ação
meritória, um só bom impulso da alma que se perca, mesmo para os
mais perversos, visto que tais ações constituem um começo de
progresso.
9o)
Toda falta cometida, todo mal realizado é uma dívida contraída que
deverá ser paga; se não o for em uma existência, sê-lo-á na
seguinte ou seguintes, porque todas as existências são solidárias
entre si. Aquele que se quita numa existência não terá necessidade
de pagar uma segunda vez.
10o)
O Espírito sofre, quer no mundo corpóreo, quer no espiritual, a
consequência das suas imperfeições. Todas as misérias, todas as
vicissitudes padecidas na vida corpórea, são oriundas das nossas
imperfeições, são expiações de faltas cometidas na presente ou
em anteriores existências. Pela natureza dos sofrimentos e
vicissitudes da vida corpórea, pode-se julgar a natureza das faltas
cometidas em anterior existência, bem como das imperfeições que
lhes deram causa.
11o)
A expiação varia segundo a natureza e gravidade da falta, podendo,
portanto, a mesma falta determinar expiações diversas, conforme as
circunstâncias, atenuantes ou agravantes, nas quais foi cometida.
12o)
Não há regra absoluta nem uniforme quanto à natureza e duração
do castigo; a única lei geral é que toda falta terá punição e
todo ato meritório será recompensado, segundo o seu valor.
13o)
A duração do castigo está subordinada à melhoria do Espírito
culpado. Nenhuma condenação por tempo determinado lhe é prescrita.
O que Deus exige para pôr termo aos sofrimentos é um melhoramento
sério, efetivo, sincero, de volta ao bem.
Deste
modo, o Espírito é sempre o árbitro da própria sorte, podendo
prolongar os sofrimentos pela persistência no mal, ou suavizá-los e
abreviá-los pela prática do bem. Uma condenação por tempo
predeterminado teria o duplo inconveniente de fazer o Espírito
continuar sofrendo inutilmente depois de melhorado, ou de libertá-lo
do sofrimento quando ainda permanecesse no mal. Deus, que é justo,
só pune o mal quando existe, e deixa de o punir quando não existe
mais.(56) Ou, se quisermos, sendo o mal moral a própria causa de
sofrimento, este persistirá somente enquanto aquele subsistir, ou
diminuirá de intensidade à medida que o mal for desaparecendo.
14o)
Como a duração do castigo depende da melhoria do Espírito, o
culpado que nunca melhorasse sofreria sempre e, para ele, a pena
seria eterna.
15o)
Uma condição inerente à inferioridade dos Espíritos é não
entreverem o termo da situação em que se acham e acreditarem que
sofrerão para sempre, o que faz que tais castigos lhes pareçam
eterno.(57)
16o)
O arrependimento é o primeiro passo para a regeneração, mas não é
suficiente, sendo necessárias ainda a expiação e a reparação.
Arrependimento,
expiação e reparação são as três condições necessárias para
apagar os traços de uma falta e suas consequências. O
arrependimento suaviza as dores da expiação, abrindo pela esperança
o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular
o efeito destruindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão seria uma
graça, e não uma anulação das faltas cometidas.
17o)
O arrependimento pode dar-se por toda parte e em qualquer tempo; se
for tardio, o culpado sofrerá por muito mais tempo.
A
expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais que são a
consequência da falta cometida, seja na vida atual, seja na vida
espiritual após a morte, ou ainda em nova existência corpórea, até
que os últimos vestígios da falta tenham desaparecido.
A
reparação consiste em fazer o bem a quem se havia feito o mal. Quem
não repara os seus erros nesta vida, por fraqueza ou má vontade,
achar-se-á numa existência posterior em contato com as mesmas
pessoas a quem prejudicou, e em condições voluntariamente
escolhidas, de modo a demonstrar-lhes o seu devotamento e fazer-lhes
tanto bem quanto mal lhes tenha feito.
Nem
todas as faltas acarretam prejuízo direto e efetivo. Em tais casos a
reparação se opera fazendo-se o que se deveria fazer e não foi
feito; cumprindo os deveres desprezados, as missões não executadas;
praticando o bem em compensação ao mal praticado, isto é,
tornando-se humilde se foi orgulhoso, amável se foi austero,
caridoso se foi egoísta, benevolente se foi perverso, laborioso se
foi ocioso, útil se foi inútil, moderado se foi dissoluto, exemplar
se foi mau etc. É assim que o Espírito progride, aproveitando-se do
próprio passado.(58)
18o)
Os Espíritos imperfeitos são excluídos dos mundos felizes, cuja
harmonia perturbariam. Ficam nos mundos inferiores a expiarem suas
faltas pelas tribulações da vida, e se depurando das imperfeições
até que mereçam encarnar em mundos mais adiantados moral e
fisicamente. Se se pode conceber um lugar circunscrito de castigo,
tal lugar é, sem dúvida, nesses mundos de expiação, em torno dos
quais pululam Espíritos imperfeitos desencarnados, à espera de
novas existências que lhes permitam reparar o mal que fizeram e os
auxiliem a progredir.
19o)
Como o Espírito tem sempre o livre-arbítrio, seu progresso por
vezes é lento, e tenaz a sua obstinação no mal. Nesse estado pode
persistir anos e séculos; entretanto, chega por fim um momento em
que a sua teimosia se modifica pelo sofrimento e, a despeito da sua
bazófia, reconhece o poder superior que o domina. Então, desde que
se manifestam os primeiros clarões de arrependimento, Deus lhe faz
entrever a esperança. Nenhum Espírito está condenado a não
progredir, seja quando for; de outro modo, estaria fatalmente
destinado à eterna inferioridade e escaparia da lei do progresso,
que rege providencialmente todas as criaturas.
20o)
Sejam quais forem a inferioridade e a perversidade dos Espíritos,
Deus jamais os abandona. Todos têm seu anjo da guarda que por eles
vela, que lhes espreitam os movimentos da alma e se esforçam por
suscitar-lhes bons pensamentos, desejos de progredir e de reparar em
nova existência o mal que praticaram. Contudo, a interferência
desse guia protetor faz-se quase sempre de maneira oculta, sem
exercer qualquer pressão, pois o Espírito deve progredir por
impulso da própria vontade, e não por um constrangimento qualquer.
Agirá bem ou mal em virtude do seu livre-arbítrio, mas sem ser
fatalmente impelido num sentido ou em outro. Se persistir no mal,
sofrerá as consequências por tanto tempo quanto durar essa
persistência; desde, porém, que dê um passo em direção ao bem,
sentirá imediatamente os seus efeitos benéficos.
Observação
– Seria erro supor que, em virtude da lei de progresso, a certeza
de atingir mais cedo ou mais tarde a perfeição e a felicidade pode
estimular o homem a perseverar no mal, contanto que se arrependa
depois: primeiro porque o Espírito inferior não divisa o termo da
sua situação; e segundo porque, sendo ele o autor da própria
infelicidade, acaba por compreender que depende de si fazê-la
cessar; que será tanto mais infeliz quanto maior for o tempo em que
perseverar no mal; finalmente, que o sofrimento nunca cessará se ele
próprio não lhe der fim. Seria, pois, um cálculo equivocado, cujas
consequências o Espírito seria o primeiro a reconhecer. Com o dogma
das penas irremissíveis é que se verifica, precisamente, essa
hipótese, já que lhe é interdita para sempre toda ideia de
esperança, não tendo, pois, o homem qualquer interesse em
converter-se ao bem, para ele sem proveito.
Diante
dessa lei cai a objeção tirada da presciência divina. De fato Deus
sabe, ao criar uma alma, se ela tomará ou não o bom caminho, pois
que dispõe do seu livre-arbítrio; sabe que será punida se fizer o
mal; mas sabe também que tal castigo temporário é um meio de
fazê-la compreender o erro e de levá-la ao bom caminho, onde
entrará mais cedo ou mais tarde. Segundo a doutrina das penas
eternas, Deus sabe que essa alma falirá e, portanto, que está
previamente condenada a torturas sem-fim.
21o)
Cada criatura só é responsável pelas próprias faltas. Ninguém
sofre por erros alheios, a não ser que os tenha gerado, quer
provocando-os pelo exemplo, quer não os impedindo quando poderia
fazê-lo. Assim, por exemplo, o suicida é sempre punido; mas aquele
que maldosamente impele alguém ao desespero e o leva a suicidar-se,
esse sofre ainda maior pena.
22o)
Embora a diversidade de punições seja infinita, existem algumas que
são inerentes à inferioridade dos Espíritos, e cujas
consequências, salvo pormenores, são mais ou menos idênticas.
A
punição mais imediata, sobretudo aos que se acham apegados à vida
material com prejuízo do progresso espiritual, consiste na lentidão
do desprendimento da alma, nas angústias que acompanham a morte e o
despertar na outra vida e na consequente perturbação que pode
estender-se por meses e anos. Naqueles, ao contrário, que têm pura
a consciência, e que desde a vida material já se haviam
identificado com a vida espiritual e desligado das coisas materiais,
a separação é rápida e sem abalos, o despertar é pacífico e a
turbação por que passam é quase nula.
23o)
Um fenômeno muito frequente entre os Espíritos de certa
inferioridade moral consiste em se acreditarem ainda vivos, podendo
esta ilusão se prolongar por muitos anos, durante os quais eles
experimentarão todas as necessidades, todos os tormentos e todas as
perplexidades da vida.
24o)
Para o criminoso, a presença incessante de suas vítimas e das
circunstâncias do crime é um suplício cruel.
25o)
Alguns Espíritos estão mergulhados em densas trevas; outros se
encontram em absoluto isolamento no Espaço, atormentados pela
ignorância de sua posição, como da sorte que os aguarda. Os mais
culpados sofrem torturas muito mais pungentes por não lhes
entreverem um termo. Muitos são privados de ver os seres amados, e
todos, geralmente, suportam com intensidade relativa os males, as
dores e as privações que causaram aos outros, até que o
arrependimento e o desejo de reparação lhes suavize os tormentos e
os faça entrever a possibilidade de, por eles mesmos, pôr um termo
a essa situação.
26o)
Para o orgulhoso é um suplício ver colocados acima dele, cheios de
glória e cercados de todas as atenções, os que na Terra havia
desprezado, enquanto ele é relegado aos últimos lugares. O
hipócrita vê desvendados, penetrados e lidos por todo o mundo os
seus mais secretos pensamentos, sem que os possa ocultar ou
dissimular. O sensual é presa de todas as tentações, de todos os
desejos, sem poder saciá-los; o avarento vê o seu ouro dilapidado e
não pode retê-lo. O egoísta se vê desamparado por todos e sofre
as consequências da sua atitude terrena: terá sede e fome, mas
ninguém lhe dará de beber, nem de comer; nenhuma mão amiga virá
apertar a sua, nenhuma voz compassiva virá consolá-lo, pois só
pensou em si durante a vida, de modo que ninguém agora pensa nele
nem o lamenta após a morte.
27o)
O único meio de evitar ou atenuar as consequências futuras de uma
falta é desfazer-se o mais possível dos seus defeitos na vida
presente, reparando aqui mesmo o mal praticado para não ter de
repará-lo mais tarde e de maneira mais terrível. Quanto mais
demorarmos em combater os nossos defeitos, tanto mais rigorosas e
penosas serão as consequências e a reparação que tivermos de
fazer.
28o)
A situação do Espírito, desde a sua entrada no mundo espiritual,
não é outra senão a que ele mesmo preparou para si na vida
corpórea. Mais tarde lhe será concedida outra encarnação para
novas provas de expiação e reparação, com maior ou menor
proveito, o que vai depender do seu livre-arbítrio; se não souber
aproveitá-la, terá de recomeçar outras, cada vez em condições
mais penosas, de sorte que se pode dizer que aquele que muito sofre
na Terra, tinha muito a expiar; e os que gozam uma felicidade
aparente, a despeito dos seus vícios e inutilidades, haverão de
pagá-la muito caro numa existência posterior. Foi nesse sentido que
Jesus falou: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão
consolados.” (O evangelho segundo o espiritismo, cap. V.)
29o)
Certamente a misericórdia de Deus é infinita, mas não é cega. O
culpado que ela perdoou não fica dispensado de reparar suas faltas
e, enquanto não houver satisfeito à justiça, sofre as
consequências dos seus erros. Por infinita misericórdia devemos
entender que Deus não é inexorável, pois deixa sempre aberto ao
culpado o caminho da redenção.
30o)
Por serem temporárias e subordinadas ao arrependimento e à
reparação, que dependem da vontade humana, as penas constituem, ao
mesmo tempo, castigos e remédios que auxiliam a curar as chagas do
mal. Os Espíritos em prova não são, pois, quais galés, condenados
a trabalhos forçados, devendo, ao contrário, ser vistos como
doentes de hospital. Como estes, padecem de enfermidades que muitas
vezes resultam da própria incúria, reclamando meios curativos mais
ou menos dolorosos. A cura será tanto mais rápida quanto mais
estritamente observadas forem as prescrições do médico assistente.
Se os doentes, pelo próprio descuido de si mesmos, deixarem que a
enfermidade se prolongue, o médico nada terá a ver com isso.
31o)
Às penas que o Espírito sofre na vida espiritual vêm somar-se as
da vida corpórea, que são consequentes às imperfeições do homem,
às suas paixões, ao mau uso das suas faculdades e à expiação de
faltas presentes e passadas. É na vida corpórea que o Espírito
repara o mal praticado em existências anteriores, pondo em prática
resoluções tomadas na vida espiritual. Assim se explicam as
misérias e vicissitudes mundanas que, à primeira vista, parecem não
ter razão de ser, quando na verdade são justas, já que foram
determinadas no passado e servem para o nosso adiantamento.(59)
32o)
Deus, pergunta-se, não daria maior prova de amor por suas criaturas
se as tivesse criado infalíveis e, por conseguinte, isentas das
vicissitudes inerentes à imperfeição? Para tanto, seria preciso
que Ele criasse seres perfeitos, nada mais tendo a adquirir, quer em
conhecimentos, quer em moralidade. É fora de dúvida que Deus
poderia fazê-lo, e se não o fez é que em sua sabedoria quis que o
progresso constituísse lei geral. Os homens são imperfeitos e, como
tais, sujeitos a vicissitudes mais ou menos penosas. Esse é um fato
que temos de aceitar, já que existe. Concluir por isso que Deus não
é bom nem justo, seria revoltar-se contra a sua Lei.
Haveria
injustiça se Ele houvesse criado seres privilegiados, mais ou menos
favorecidos, fruindo gozos sem qualquer esforço, que outros não
atingem senão pelo trabalho ou que jamais pudessem atingir. Ao
contrário, a Justiça divina patenteia-se na igualdade absoluta que
preside à criação de todos os Espíritos; todos têm o mesmo ponto
de partida e ninguém se distingue em sua formação por ser mais
favorecido do que outro; nenhum cuja marcha progressiva se facilite
por exceção: os que chegam ao fim têm passado, como os demais,
pelas fases da inferioridade e respectivas provas.
Admitindo-se
isso, nada mais justo que a liberdade de ação concedida a cada um.
O caminho da felicidade se abre para todos, o objetivo de todos é o
mesmo, as condições para atingi-lo são as mesmas, e a lei, gravada
em todas as consciências, é ensinada a todos. Deus fez da
felicidade o prêmio do trabalho, e não do favoritismo, para que
cada um tivesse seu mérito. Todos são livres para trabalhar ou nada
fazer em favor do seu progresso; aquele que trabalha muito e depressa
recebe a recompensa mais cedo; quem se desgarra ou perde tempo no
caminho retarda a chegada e não pode queixar-se senão de si mesmo.
O bem e o mal são voluntários e facultativos; sendo livre, o homem
não é fatalmente impelido nem para um, nem para outro.
33o)
Apesar da diversidade de gêneros e graus de sofrimentos dos
Espíritos, o código penal da vida futura pode resumir-se nestes
três princípios:
1.
O sofrimento é inerente à imperfeição.
2.
Toda imperfeição, assim como toda falta que dela resulta, traz
consigo o próprio castigo em suas consequências naturais e
inevitáveis. Assim a doença decorre dos excessos e o tédio da
ociosidade, sem que haja necessidade de uma condenação especial
para cada falta ou indivíduo.
3.
Como todo homem pode libertar-se das imperfeições, desde que o
queira, pode igualmente anular os males consequentes e assegurar a
sua felicidade futura.
A
cada um segundo as suas obras, no Céu como na Terra — tal é a lei
da Justiça divina.
NOTAS:
(55)
Nota de Allan Kardec: Veja-se o capítulo VI, item 7, e O livro dos
espíritos, questões 443 e 444.
(56)
Nota de Allan Kardec: Veja-se o capítulo VI, item 25, citação de
Ezequiel.
(57)
Nota de Allan Kardec: Perpétuo é sinônimo de eterno. Diz-se: o
limite das neves perpétuas; o eterno gelo dos polos; também se diz:
o secretário perpétuo da Academia, o que não significa que o seja
para sempre, mas unicamente por tempo ilimitado. Eterno e perpétuo
se empregam, pois, no sentido de indeterminado. Nesta acepção,
pode-se dizer que as penas são eternas, para exprimir que não têm
duração limitada. São eternas para o Espírito que não lhes vê o
termo.
(58)
Nota de Allan Kardec: A necessidade da reparação é um princípio
de rigorosa justiça, que se pode considerar como a verdadeira lei de
reabilitação moral dos Espíritos. Entretanto, até agora é uma
doutrina que religião alguma proclamou. Algumas pessoas a repelem
porque acham mais cômodo se quitarem das más ações por um simples
arrependimento, mediante algumas fórmulas que não custam mais que
palavras. Crendo-se quites com isso, só mais tarde verão que não
bastava apenas o arrependimento. Nós poderíamos lhes perguntar se
esse princípio não é consagrado pela lei humana e se a Justiça
divina pode ser inferior à dos homens. E mais, se essas leis se
dariam por desafrontadas, desde que o indivíduo que as
transgredisse, por abuso de confiança, se limitasse a dizer que as
respeita infinitamente. Por que recuariam diante da obrigação que
todo homem honesto se impõe como dever, segundo o grau de suas
forças? Quando esta perspectiva de reparação for inculcada na
crença das massas, será um outro freio aos seus desmandos, e bem
mais poderoso que o inferno e as penas eternas, porque interessa à
vida em sua plena atualidade, podendo o homem compreender a
procedência das circunstâncias que a tornam penosa ou a sua
verdadeira situação.
(59)
Nota de Allan Kardec: Veja-se Primeira Parte, cap. V, O purgatório,
item 3 e seguintes e, mais adiante, na Segunda Parte, cap. VIII,
Expiações terrestres. Veja-se também O evangelho segundo o
espiritismo, cap. V, Bem-aventurados os aflitos.
Fonte:
O Céu e o Inferno (Allan Kardec. Editora FEB. 2003) (tradução
da obra publicada originalmente na França, em 1865).
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