A
comparação seguinte pode ajudar a compreender as peripécias da
vida da alma.
Suponhamos
uma longa estrada, em cujo percurso se acham, de distância em
distância, mas a intervalos desiguais, florestas que devem ser
atravessadas; à entrada de cada floresta a estrada larga e bela é
interrompida e só retomada à saída. Um viajante segue essa rota e
entra na primeira floresta; mas aí não há trilha batida; é um
dédalo inextricável em cujo meio se perde; a luz do Sol desapareceu
sob a espessa copa das árvores; ele erra, sem saber para onde vai;
enfim, após fadigas incríveis, chega aos confins da floresta, mas,
extenuado, rasgado pelos espinhos, magoado pelas pedras. Ali
reencontra a estrada e a luz e prossegue seu caminho, procurando
curar suas feridas.
Mais
longe encontra uma segunda floresta, onde o esperam as mesmas
dificuldades; mas já tem alguma experiência; sabe evitá-las em
parte e delas sai com menos contusões. Numa encontra o lenhador que
lhe indica a direção a seguir e que o impede de se perder. Em cada
nova travessia sua habilidade aumenta, pois os obstáculos são
transpostos cada vez mais facilmente; certo de encontrar a bela
estrada à saída, essa confiança o anima; depois, sabe orientar-se
para a encontrar mais facilmente. A estrada conduz ao topo de uma
alta montanha, de onde descobre todo o percurso, desde o ponto de
partida; também vê as várias florestas que atravessou e se recorda
das vicissitudes que experimentou; mas a lembrança não é penosa
porque chegou ao fim; é como o velho soldado que, na calma do lar,
lembra-se das batalhas a que assistiu; essas florestas disseminadas
pela estrada são para ele como pontos negros numa fita branca. Diz
ele: “Quando eu estava nessas florestas, sobretudo nas primeiras,
como me pareciam longas para atravessar! Parecia-me que jamais
chegaria ao fim; tudo se afigurava gigantesco e intransponível em
volta de mim. E quando penso que, sem esse bravo lenhador que me pôs
no bom caminho, eu talvez ainda lá estivesse! Agora, que considero
essas mesmas florestas do ponto em que me encontro, como me parecem
pequenas! Parece que as teria transposto com um passo; ainda mais,
minha vista as penetra e distingo seus menores detalhes; vejo até os
passos errados que dei.”
Então
lhe diz um velho: - Meu filho, estás no fim da viagem; mas um
repouso indefinido logo te causaria um aborrecimento mortal e te
porias a lamentar as vicissitudes que experimentaste e que davam
atividade aos teus membros e ao teu espírito. Daqui vês um grande
número de viajantes na estrada que percorreste e que, como tu,
correm o risco de se perderem no caminho; tens a experiência e nada
mais temes; vai ao seu encontro e, por teus conselhos, trata de os
guiar, para que cheguem mais depressa.
-
Eu lá vou com alegria, responde o nosso homem. Mas, acrescenta ele,
por que não há uma estrada direta, desde o ponto de partida até
aqui? Isto evitaria que os viajantes passassem por estas florestas
abomináveis.
-
Meu filho, retoma o velho, olha bem e verás que há muitos que
evitam certo número delas; são os que, tendo adquirido mais cedo a
experiência necessária, sabem tomar um caminho mais direto e mais
curto para chegar; mas tal experiência é fruto do trabalho exigido
pelas primeiras travessias, de tal sorte que aqui somente chegam em
razão de seu mérito. O que saberias tu mesmo, se por elas não
tivesses passado? A atividade que tiveste de desenvolver, os recursos
da imaginação que te foram necessários para abrir caminho,
aumentaram teus conhecimentos e desenvolveram tua inteligência; sem
isto, serias tão inexperiente quanto em tua partida. E depois,
procurando sair do embaraço, tu mesmo contribuíste para melhorar as
florestas que atravessaste; o que fizeste é pouco, é imperceptível;
pensa, porém, nos milhares de viajantes que fazem outro tanto, e
que, trabalhando para si mesmos, sem o suspeitar trabalham para o bem
comum. Não é justo que recebam o salário de seu esforço, pelo
repouso que aqui desfrutam? Que direito teriam a este repouso, se
nada houvessem feito?
-
Meu pai, responde o viajante, numa dessas florestas encontrei um
homem que me disse: “Na ourela há um imenso abismo que deve ser
transposto de um salto; mas em mil, apenas um o consegue; todos os
outros caem no fundo de uma fornalha ardente e se perdem sem
remissão. Eu não vi esse abismo.”
-
Meu filho, é que ele não existe; do contrário, seria uma armadilha
abominável, preparada para todos os viajantes que vêm a minha casa.
Bem sei que lhes é necessário vencer dificuldades, mas também sei
que mais cedo ou mais tarde eles as vencerão. Se eu tivesse criado
impossibilidades para um só, sabendo que deveria sucumbir, teria
sido uma crueldade, com mais forte razão se o tivesse feito para um
grande número. Esse abismo é uma alegoria, cuja explicação vais
ver. Olha a estrada, no intervalo das florestas; entre os viajantes,
vês alguns que andam lentamente, com ar jovial; vês esses amigos
que se perderam de vista no labirinto da floresta, como são felizes
por se reencontrarem à saída; mas ao lado deles há outros que se
arrastam penosamente; estão estropiados e imploram a piedade dos
transeuntes, porque sofrem cruelmente das feridas que, por própria
culpa, fizeram nos espinheiros. Mas curar-se-ão e isso para eles
será uma lição que devem aproveitar na nova floresta a atravessar,
da qual sairão menos combalidos. O abismo é a imagem dos males que
sofrerão, e dizendo que em mil só um o transporá, aquele homem
teve razão, porque o número dos imprudentes é muito grande; mas
não estava certo ao dizer que, uma vez caído nele, não mais sairá.
Há sempre uma saída para chegar a mim. Vai, meu filho, vai mostrar
essa saída aos que estão no fundo do abismo; vai sustentar os
feridos da estrada e mostrar o caminho aos que atravessam as
florestas.
A
estrada é a imagem da vida espiritual da alma, em cujo percurso
somos mais ou menos felizes; as florestas são as existências
corporais, nas quais trabalhamos pelo próprio avanço, ao mesmo
tempo que na obra geral; o viajante, chegando ao fim e voltando para
ajudar os que estão atrasados, é a imagem dos anjos guardiães,
missionários de Deus, que encontram sua felicidade na visão da
Divindade, mas também na atividade que desenvolvem para fazer o bem
e obedecer ao Supremo Senhor.
A
mediunidade é registro paranormal que se encontra ínsito
na criatura humana, à semelhança da inteligência, da razão.
Todo
indivíduo que, conscientemente ou não, capta a presença de seres
espirituais é portador de mediunidade, cabendo-lhe a tarefa de
desdobrar os recursos parafísicos, através de conveniente educação,
graças à qual se tornará instrumento responsável para o
ministério superior a que a mesma se destina.
Inicialmente
confundida com várias patologias, sejam de ordem mental ou orgânica,
a mediunidade fez-se meio para demonstrar o equívoco em que teimavam
permanecer os seus adversários gratuitos ou os investigadores
apressados.
Caracterizando
uma função sempre presente no homem em todas as épocas, só a
partir de Allan Kardec passou a receber estudo profundo e
consideração, vindo, então, a ocupar o lugar que lhe é devido,
como ponte para o intercâmbio entre os espíritos de ambos os lados
da vida com aqueles que se encontram mergulhados na mesma faixa das
percepções psíquicas no corpo físico.
Espontânea,
surge em qualquer idade, posição social, denominação religiosa ou
cepticismo no qual se encontre o indivíduo.
Normalmente
chama a atenção pelos fenômenos insólitos de que se faz
portadora, produzindo efeitos físicos e intelectuais, bem como
manifestações na área visual, auditiva, apresentando-se com gama
variada conforme as diversas expressões intelectuais, materiais e
subjetivas que se exteriorizam no dia-a-dia
de todos os seres humanos.
Direcionando
a observação para as ocorrências inabituais que lhe sucedam, o
médium descobre um imenso veio aurífero que,
penetrado, brinda-o com gemas de inapreciável
qualidade.
Assim
como o mergulhador educa a respiração para descer nas águas
profundas onde espera encontrar ostras raras, portadoras de pérolas
incomuns, o médium tem o dever de disciplinar a mente, a fim de
aprofundar-se no oceano íntimo e dali arrancar as preciosidades que
se encontram engastadas na conchabivalve
das
aspirações morais e espirituais.
Às
vezes, quando do aparecimento da mediunidade, surgem distúrbios
vários, sejam na área orgânica, através de desequilíbrios e
doenças, ou mediante inquietações emocionais e psiquiátricas, por
debilidade da sua constituição fisiopsicológica.
Não
é a mediunidade que gera o distúrbio no organismo, mas a ação
fluídica dos espíritos que favorece a distonia ou não, de acordo
com a qualidade de que este se reveste.
Por
outro lado, quando a ação espiritual é salutar, uma aura de paz e
de bem-estar envolve o medianeiro, auxiliando-o na preservação das
forças que o nutrem e sustentam durante a existência física.
A
educação ou desdobramento mediúnico objetiva
ampliar o campo de realização paranormal, porquanto, através dos
recursos próprios, tem a especial finalidade de instruir os homens,
realizar a iluminação de consciências, facultar o ministério da
caridade, pelas possibilidades que proporciona aos desencarnados em
aflição de terem lenidos os sofrimentos,
as mágoas, a ignorância...
A
faculdade de ser médium, própria dos seres inteligentes, constitui
um superior instrumento de serviço ao alcance de todos, dependendo
de cada um atender-lhe a presença orgânica ou ignorá-la,
apurando-lhe a sensibilidade ou perturbando-lhe o mister, deixando-a
ao abandono, aí correndo riscos de ser utilizada por entidades
perversas ou levianas que se encarregarão de perturbá- la,
entorpecê-la ou torná-la meio de desequilíbrio para o próprio
médium como para aqueles que o cercam.
Não
é, portanto, o ser médium ou não, mas a conduta que este se
aplique que atrairá mentes que se irradiam no mesmo campo de
vibrações especiais.
Swedenborg,
ao perceber a presença da mediunidade, cientista e culto, não
tergiversou em estudar a faculdade e dedicar-se ao seu exercício,
brindando a humanidade com valioso patrimônio de sabedoria,
esperança e paz.
Edgar
Cayce, constatando a manifestação mediúnica de
que se tomou objeto, aplicou-se ao labor pertinente e auxiliou
dezenas de milhares de pacientes que lhe buscaram o socorro...
Adolf
Hitler, depois de freqüentar o Grupo Thule, de fenômenos
mediúnicos, dirigido por Dietrich
Eckhart, em Berlim, ensandeceu-se, e,
fascinado, acreditou-se a "mão da Providência",
tornando-se destruidor de milhões de vidas e responsável por males
incontáveis, que ainda permanecem na Terra...
A
mediunidade, em si mesma, não é boa nem é má, antes, apresenta-se
em caráter de neutralidade, ensejando ao homem utilizá-la conforme
lhe aprouver, desse uso derivando os
resultados que acompanharão o medianeiro até o momento final da sua
etapa evolutiva no corpo.
Fonte:
Médiuns e mediunidades (Ditado por Viana de Carvalho.
Psicografado por Divaldo Franco. Editora Leal. 2011)
CAP.
13 – COMPANHEIRO LIBERTADO [desencarnação de Dimas]
Depois
de vários preparativos, principalmente ao lado de Cavalcante, que
piorara após a intervenção cirúrgica, Jerônimo articulou
providências referentes à desencarnação de Dimas, cuja posição
era das mais precárias.
De
manhãzinha, após entender-se com a Irmã Zenóbia, quanto à
localização do primeiro amigo a libertar-se dos laços físicos, o
Assistente convidou-nos ao trabalho.
Compreendia,
mais uma vez, que há tempo de morrer, como há tempo de nascer.
Dimas alcançara o período de renovação e, por isso, seria
subtraído à forma grosseira, de modo a transformar-se para o novo
aprendizado. Não fora determinado dia exato. Atingira-se o tempo
próprio. Recordando, contudo, meu caso particular e sequioso de
elucidações construtivas, ousei interrogar nosso orientador,
enquanto regressávamos ao círculo carnal, pela manhã.
— Prezado
Assistente — indaguei —, releve-me o desejo de saber
particularidades do serviço... Poderá, todavia, informar-me se
Dimas desencarnará em ocasião adequada? Viveu ele toda a cota de
tempo suscetível de ser aproveitada por seu Espírito na Crosta da
Terra? completou a relação de serviços que o trouxera ao
renascimento?
— Não
— respondeu o interpelado, com firmeza —, não chegou a
aproveitar todo o tempo prefixado.
— Oh!
— considerei, levianamente — terá sido, como fui, suicida
inconsciente? Penetrei nossa colônia nessa condição e, antes de
obter a graça do refúgio renovador, experimentei acerbos
padecimentos.
Enunciando
tal apreciação, ponderava sobre a tarefa especial de socorrê-lo.
Razões fortes, decerto, motivariam o esforço que se levava a
efeito, mas a informação do orientador desconcertava-me. Se o irmão
referido não completara o tempo previsto ao roteiro de obrigações
que lhe fora traçado, porque tamanha consideração? Mereceria o
movimento excepcional de assistência individualizada? que motivo
impeliria a esfera superior a prestar-lhe tanta atenção?
Jerônimo
compreendeu, sem dúvida, a venenosa preocupação que me dominava o
pensamento, mas absteve-se de longas explicações, confirmando,
simplesmente:
— Não,
André, nosso amigo não é suicida.
Mais
acertado seria silenciar raciocínios suspeitos; entretanto, meu
inveterado instinto de pesquisa intelectual era demasiado forte para
que eu me dominasse.
Fixando-o,
algo confundido, tornei a perguntar:
— Mas
se Dimas não aproveitou todo o tempo de que dispunha, não terá
também desperdiçado a oportunidade, como aconteceu a mim mesmo?
Meu
interlocutor estampou no semblante leve sorriso e acentuou,
compassivo:
— Não
conheço seu passado, André, e acredito que as melhores intenções
terão movido suas atividades no pretérito. A situação do amigo a
que nos referimos, porém, é muito clara. Dimas não conseguiu
preencher toda a cota de tempo que lhe era lícito utilizar, em
virtude do ambiente de sacrifício que lhe dominou os dias, na
existência a termo. Acostumado, desde a infância, à luta sem
mimos, desenvolveu o corpo, entre deveres e abnegações incessantes.
Desfavorecido de qualquer vantagem material no princípio, conheceu
ásperas obrigações para ganhar a intimidade com as leituras mais
simples. Entregue ao serviço rude, no verdor da mocidade, constituiu
a família, pingando suor no sacrifício diário. Passou a vida em
submissão a regulamentos, conquistando a subsistência com enorme
despesa de energia. Mesmo assim, encontrou recursos para dedicar-se
aos que gemem e sofrem nos planos mais baixos que o dele. Recebendo a
mediunidade, colocou-a a serviço do bem coletivo. Conviveu com os
desalentados e aflitos de toda sorte. E porque seu espírito sensível
encontrava prazer em ser útil e em razão dos necessitados guardarem
raramente a noção do equilibrio, sua existência converteu-se em
refúgio de enfermos do corpo e da alma. Perdeu, quase integralmente,
o conforto da vida social, privou-se de estudos edificantes que lhe
poderiam prodigalizar mais amplas realizações ao idealismo de homem
de bem e prejudicou as células físicas, no acúmulo de serviço
obrigatório e acelerado na causa do sofrimento humano. Pelas
vigílias compulsórias, noite a dentro, atenuou-se-lhe a resistência
nervosa; pela inevitável irregularidade das refeições,
distanciou-se da saúde harmoniosa do estômago; pelas perseguições
gratuitas de que foi objeto, gastou fosfato excessivamente e, pelos
choques reiterados com a dor alheia, que sempre lhe repercutiu
amargamente no coração, alojou destruidoras vibrações no fígado,
criando afecções morais que o incapacitaram para as funções
regeneradoras do sangue. É verdade que não podemos louvar o
trabalhador que perde qualquer órgão fundamental da vida fisica em
atrito com as perturbações que companheiros encarnados criam e
incentivam para si mesmos; no entanto, faz-se preciso considerar as
circunstâncias em jogo. Dimas poderia receber, com naturalidade,
semelhantes emissões destrutivas, mantendo-se na serenidade
intangível do legítimo apóstolo do Evangelho. Todavia, não se
organiza de um dia
para outro o anteparo psíquico contra o bombardeio dos
raios perturbadores da mente alheia, como
não é fácil improvisar cais seguro ante o oceano em ressaca.
Cercado de exigéncias sentimentais, subalimnentado, maldormido, teve
as reiteradas congestões hepáticas convertidas na cirrose
hipertráfica, portadora da desintegração do corpo.
Interrompeu-se
o orientador, e, como me sentisse fundamente envergonhado pelo
paralelo que inadvertidamente estabelecera, Jerônimo acentuou:
— Segundo
observamos, há existências que perdem pela extensão, ganhando,
porém, pela intensidade. A visão imperfeita dos homens encarnados
reclama o exame acurado dos efeitos, mas a visão divina jamais
despreza minuciosas investigações sobre as causas...
Calei-me,
humilhado. O hábito de analisar pessoas e ocorrências,
unilateralmente, mais uma vez me impunha proveitosa decepção.
Naturalmente, o Assistente conhecia-me a antiga posição, estaria
informado de meus desvios anteriores, mas dignava-se evitar-me
desapontamento mais fundo com referências comparativas. Assomaram-me
recordações do passado, mais nítidas e esclarecedoras.
Inegavelmente, conduzira minha última experiência como melhor me
pareceu. Tomava refeições calmas e substanciosas, a horas certas;
dera-me a estudos prediletos; dispunha de meu tempo com rigorosa
independência nas decisões; cerrava a porta aos clientes
antipáticos, quando me faltava disposição para suportá-los; nunca
molestara o fígado por sofrimentos alheios, porque era ele pequeno
para conter as vibrações destruidoras de minhas próprias
Irritações, ao sentir-me contrariado nos pontos de vista pessoais,
e, sobretudo, aniquilara o aparelho gastrintestinal pelo excesso de
comestíveis e bebedices aliados à sífilis a que eu mesmo dera
guarida, levianamente. Havia, portanto, muita diversidade entre o
caso Dimas e o meu. O dedicado servidor do bem empregara as
possibilidades que o Céu lhe confiara em benefício de outrem.
Quanto a mim, centralizado em mim mesmo, gozara essas possibilidades
até ao clímax, perdendo-me pela abusiva saciedade.
Jerônimo
era, porém, suficientemente bom para não comentar realidades tão
duras. Reafirmando a generosidade espontânea que o caracterizava,
desarticulou minhas impressões desagradáveis, tangendo assuntos
novos.
Em
breve, chegávamos à residência do enfermo, cujo estado era
gravíssimo.
Alguns
amigos desencarnados velavam, atentos.
Iluminada
entidade que evidenciava grande interesse pelo agonizante, acercou-se
do Assistente, indagando se o decesso fora marcado para aquele dia.
— Sim
— esclareceu o interpelado —, a resistência orgânica terminou.
Estamos autorizados a aliviá-lo, o que faremos hoje, alijando-lhe o
fardo pesado de matéria densa.
A
interlocutora consultou-o, ainda, sobre a oportunidade de reunir ali
alguns beneficiados da missão cumprida pelo moribundo, que lhe
desejavam testemunhar carinhoso apreço, no derradeiro dia carnal.
— Minha
amiga compreende as dificuldades inerentes ao assunto — respondeu o
nosso dirigente com gentileza. — Se Dimas estivesse plenamente
senhor das emoções, não surgiria inconveniente algum. Entretanto,
ele permanece agora sob agitações psíquicas muito fortes. Conhece
o fim próximo do aparelho carnal, mas não pode esquivar-se, de
súbito, às algemas domésticas. Teme o futuro dos seus, conserva-se
em total descontrole dos nervos e enlaça-se nas emissões de
inquietude da esposa e dos filhos. Cremos ser inoportuna essa visita
compacta, no decorrer das atividades da desencarnação, mesmo em se
tratando dos melhores amigos do doente, para que se lhe não agrave o
descontrole mental. Dimas poderá, não obstante, ser amparado pelo
afeto dos que por ele têm afeição, logo se desfaça do corpo
grosseiro. Além disso, sugiro que manifestação de carinho,
merecida e justa, lhe seja prestada por quantos o estimam, no dia em
que nos deslocarmos da Casa Transitória de Fabiano para as regiões
mais altas. Nosso irmão e cooperador descansará, ali, sob atencioso
cuidado, junto de outros amigos em condições análogas. Não
faltaremos com o aviso prévio sobre sua partida, para que se
congreguem conosco os seus afeiçoados, na prece de reconhecimento
que elevaremos ao Todo-Poderoso.
A
consulente manifestou sincera satisfação e acentuou:
— Bem
lembrado! Esperaremos a comunicação no instante oportuno.
Logo
após, despediu-se, afastando-se ao lado de outros visitantes de
nossa esfera, que nos deixavam, agora, campo livre para a nossa
necessária atuação.
O
transe era, sem dúvida, melindroso.
A
esposa do médium, ao pé dele, não obstante prolongadas vigílias e
sacrifícios estafantes, que a expressão fisionômica denunciava,
mantinha-se firme a seu lado, olhos vermelhos de chorar, emitindo
forças de retenção amorosa que prendiam o moribundo em vasto
emaranhado de fios cinzentos, dando-nos a impressão de peixe
encarcerado em rede caprichosa.
Jerônimo
apontou-a, bondoso, e explicou:
— Nossa
pobre amiga é o primeiro empecilho a remover. Improvisemos
temporária melhora para o agonizante, a fim de sossegar-lhe a mente
aflita. Somente depois de semelhante medida conseguiremos retirá-lo,
sem maior impedimento. As correntes de força, exteriorizadas por
ela, infundem vida aparente aos centros de energia vital, já em
adiantado processo de desintegração.
Recomendou
o Assistente que Luciana e Hipólito se mantivessem ao lado da
senhora, modificando-lhe as vibrações mentais, e Instruindo-me para
coadjuvar-lhe a influenciação, como se fazia mister.
Enquanto
mantinha as mãos coladas ao cérebro de Dimas, propiciando-lhe a
renovação das forças gerais, Jerônimo aplicava-lhe passes
longitudinais, desfazendo os fios magnéticos que se entrecruzavam
sobre o corpo abatido.
Reparei
que o moribundo se encontrava já em dolorosas condições.
Plenamente desorganizado, o fígado começava definitivamente a
paralisar suas funções. O estômago, o pâncreas e o duodeno
apresentavam anomalias estranhas. Os rins pareciam pràticamente
mortos. Os glomérulos prendiam-se aos ramos arteriais como
pequeninos botões arroxeados; os tubos coletores, enrijecidos,
prenunciavam o fim do corpo. Sintomas de gangrena pesavam em toda a
atmosfera orgânica.
O que
mais impressionava, porém, era a movimentação da fauna
microscópica. Corpúsculos das mais variadas espécies nadavam nos
líquidos acumulados no ventre, concentrando-se particularmente no
ângulo hepático, como a buscarem alguma coisa, com avidez, nas
vizinhanças da vesícula.
O coração
trabalhava com dificuldade. Enfim, o enfraquecimento atingira o auge.
— Precisamos
fornecer-lhe melhoras fictícias — asseverou o dirigente de nossas
atividades
tranquilizando-lhe
os parentes aflitos. A câmara está repleta de substâncias mentais
torturantes.
O Assistente
principiou, então, a exercer intensivamente sua influência.
Dimas,
de raciocínio obnubilado pela dor, não divisava a nossa presença.
Os atritos celulares, pelo rápido desenvolvimento dos vírus
portadores do coma, impediam-lhe percepções claras. As proveitosas
faculdades mediúnicas que ele possuía haviam caído em temporário
eclipse, ante os choques do sofrimento. Era, porém, extremamente
sensível à atuação magnética.
Pouco
a pouco, com a interferência de Jerônimo, o amigo acalmou-se,
respirou em ritmo quase normal, abriu os olhos fundos e exclamou,
reconfortado:
— Graças
a Deus! Louvado seja Deus!
Um
dos filhos, a contemplá-lo, de olhos súplices, seguiu-lhe as
palavras, ansioso, indagando num gesto de alívio:
— Melhorou,
papai?
— Oh!
sim, meu filho, agora respiro mais livremente...
— Sente
os amigos espirituais ao seu lado? —tornou o rapaz, cheio de fé.
O enfermo
sorriu, algo triste, e retrucou:
— Não.
Quero crer que o sofrimento físico cerrou a porta que me comunicava
com a esfera invisível. Mesmo assim, estou muito confiante. Jesus
não nos desampara.
Fixou
a companheira em lágrimas e aduziu:
— Todos
nós experimentaremos a solidão nos grandes momentos de aferir
valores espirituais. Estou convencido de que os nossos Guias do Plano
Superior não me olvidarão as necessidades... entretanto... não
devo esperar que tomem cuidado permanente comigo...
Falava
em voz quase imperceptível, em virtude do abatimento, entrecortando
as palavras na respiração opressa.
A
senhora, vacilante, estava inteiramente amparada por Luciana, que a
abraçava, afetuosa. Viam-se-lhe os sinais de angustioso cansaço.
Lágrimas espessas corriam-lhe dos olhos congestionados.
Jerônimo,
agora, pousava a destra na fronte do moribundo, proporcionando-lhe
força, inspiração e idéias favoráveis ao desdobramento de nossos
serviços. Dimas mostrou novo brilho no olhar, encarou a companheira,
esforçando-se por parecer tranquilo, e rogou:
— Querida,
vá descansar!... Peço-lhe... Tantas noites a fio, de sentinela,
acabarão por aniquilá-la. Que será de mim, doente e exausto, se o
desânimo surpreender-nos a todos?
Fez
mais longo intervalo e prosseguiu:
— Repouse
a meu pedido. Ficaria tão satisfeito se a visse mais forte... Não
se retarde. Sinto-me muito melhor e sei que o dia será de calma e
reconforto.
Cedendo
às instâncias do esposo e docemente constrangida pela influência
de Luciana e Hipólito, a matrona recolheu-se ao quarto.
Em
vista das melhoras obtidas, houve expansão de júbilo familiar. O
médico foi chamado. Radiante, o clínico asseverou que os
prognósticos contrariavam suposições anteriores. Renovou as
indicações, dispensou os anestésicos e recomendou ao pessoal
doméstico que entregasse o doente ao repouso absoluto. Dimas acusava
melhoras surpreendentes. Era razoável, portanto, que a câmara fôsse
deixada em silêncio para que ele tivesse um sono reparador.
O
esculápio atendia-nos ao desejo.
Em
breves minutos, o compartimento ficou solitário, facilitando-nos o
serviço.
O
Assistente distribuiu trabalho a todos nós.
Hipólito
e Luciana, depois de tecerem uma rede fluídica de defesa, em torno
do leito, para que as vibrações mentais inferiores fôssem
absorvidas, permaneceram em prece ao lado, enquanto eu mantinha a
destra sobre o plexo solar do agonizante.
— Iniciaremos,
agora, as operações decisivas — declarou-nos Jerônimo, resoluto
—, antes, porém, forneçamos ao nosso amigo a oportunidade da
oração final.
O Assistente
tocou-o, demoradamente, na parte posterior do cérebro. Vimos que o
agonizante passou a emitir pensamentos luminosos e belos. Não nos
via, nem nos ouvia, de maneira direta, mas conservava a intuição
clara e ativa. Sob o controle de Jerônimo, experimentou imperiosa
necessidade de orar e, embora os lábios cansados prosseguissem
imóveis, assinalamos a rogativa mental que endereçava ao Divino
Mestre:
— Meu
Senhor Jesus-Cristo, creio que atingi o fim de meu corpo, do corpo
que me deste, por algum tempo, como dádiva preciosa e bendita. Eu
não sei, Senhor, quantas vezes feri a máquina fisiológica que me
confiaste. Inconscicntemente, quebrei-lhe as peças com o meu
descaso, menosprezando patrimônios sagrados, cujo valor estou
reconhecendo em mais de doze meses de sofrimento carnal incessante.
Não te posso implorar a bênção da morte pacífica, porque nada
fiz de bom ou de útil por merecê-la. Mas se é possível, Amado
Médico, socorre-me com o teu compassivo e desvelado amor! Curaste
paralíticos, cegos e leprosos... Porque te não compadecerás de
mim, miserável peregrino da Terra?...
Seus
olhos deixaram escapar lágrimas abundantes.
Após
breves minutos, observamos que o agonisante recordava a meninice
distante. Na tela miraculosa da memória, revia o colo materno e
sentia sede do carinho de mãe. Oh! se pudesse contar com o socorro
da abençoada velhinha que a morte arrebatara há tantos anos! —
refletia. Premido pelas doces reminiscências, modificou o quadro da
súplica, lembrou a cena da crucificação de Jesus, insistiu
mentalmente por vislumbrar o vulto sublime de Maria e, sentindo-se de
joelhos, diante dela. implorou:
— Mãe
dos céus, mãe das mães humanas, refúgio dos órfãos da Terra,
sou agora, também, o menino frágil com fome do afeto maternal nesta
hora suprema! Oh! Senhora Divina, mãe de meu Mestre e de meu Senhor,
digna-te abençoar-me! Lembra que teu filho divino pôde ver-te no
derradeiro instante e intercede por mim, mísero servo, para que eu
tenha minha santa mãe ao meu lado no minuto de partir!...
Socorre-me! não me abandones, anjo tutelar da Humanidade, bendita
entre as mulheres!
Oh!
providência maravilhosa do Céu! Convertera-se o coração do
moribundo em foco radioso e a porta de acesso deu entrada a venerável
anciã, coroada de luz semelhando neve luminosa. Ela se aproximou de
Jerônimo e informou, após desejar-nos a paz divina:
— Sou
a mãe dele...
O
Assistente comentou a urgência da tarefa que nos aguardava e
confiou-lhe o depósito querido.
Em
breves instantes, tínhamos perante os olhos inolvidável quadro
afetivo. Sentara-se a velhinha no leito, depondo a cabeça do
moribundo no regaço acolhedor, afagando-a com as mãos caridosas.
Em
virtude do reforço valioso no setor da colaboração, Hipólito e
Luciana, atendendo ao nosso dirigente, foram velar pelo sono da
esposa, para que as suas emissões mentais não nos alterassem o
esforço.
No
recinto, permanecemos os três apenas.
Dimas,
experimentando indefinível bem-estar no regaço materno, parecia
esquecer, agora, todas as mágoas, sentindo-se amparado como criança
semi-inconsciente, quase feliz. Ordenou Jerônimo que me conservasse
vigilante, de mãos coladas àfronte do enfermo, passando, logo após,
ao serviço complexo e silencioso de magnetização. Em primeiro
lugar, Insensibilizou inteiramente o vago, para facilitar o
desligamento nas vísceras. A seguir, utilizando passes
longitudinais, isolou todo o sistema nervoso simpático,
neutralizando, mais tarde, as fibras inibidoras no cérebro.
Descansando alguns segundos, asseverou:
— Não
convém que Dimas fale, agora, aos parentes. Formularia, talvez,
solicitações descabidas.
Indicou
o desencarnante e comentou, sorrindo:
— Noutro
tempo, André, os antigos acreditavam que entidades mitológicas
cortavam os fios da vida humana. Nós somos Parcas autênticas,
efetuando semelhante operação...
E
porque eu indagasse, tímido, por onde iríamos começar, explicou-me
o orientador:
— Segundo
você sabe, há três regiões orgânicas fundamentais que demandam
extremo cuidado nos serviços de liberação da alma: o centro
vegetativo, ligado ao ventre, como sede das manifestações
fisiológicas; o centro emocional, zona dos sentimentos e desejos,
sediado no tórax, e o centro mental, mais importante por excelência,
situado no cérebro.
Minha
curiosidade intelectual era enorme. Entendendo, porém, que a hora
não comportava longos esclarecimentos, abstive-me de indagações.
Jerônimo,
todavia, gentil como sempre, percebeu-me o propósito de pesquisa e
acrescentou:
— Noutro
ensejo, André, você estudará o problema transcendente das várias
zonas vitais da individualidade.
Aconselhando-me
cautela na ministração de energias magnéticas à mente do
moribundo, começou a operar sobre o plexo solar, desatando laços
que localizavam forças físicas. Com espanto, notei que certa porção
de substância leitosa extravasava do umbigo, pairando em torno.
Esticaram-se os membros inferiores, com sintomas de esfriamento.
Dimas
gemeu, em voz alta, semi-inconsciente.
Acorreram
amigos, assustados. Sacos de água quente foram-lhe apostos nos pés.
Mas, antes que os familiares entrassem em cena, Jerônimo, com passes
concentrados sobre o tórax, relaxou os elos que mantinham a coesão
celular no centro emotivo, operando sobre determinado ponto do
coração, que passou a funcionar como bomba mecânica,
desreguladamente. Nova cota de substância desprendia-se do corpo, do
epigastro à garganta, mas reparei que todos os músculos trabalhavam
fortemente contra a partida da alma, opondo-se à libertação das
forças motrizes, em esforço desesperado, ocasionando angustiosa
aflição ao paciente. O campo físico oferecia-nos resistência,
insistindo pela retenção do senhor espiritual.
Com
a fuga do pulso, foram chamados os parentes e o médico, que
acorreram, pressurosos. No regaço maternal, todavia, e sob nossa
influenciação direta, Dimas não conseguiu articular palavras ou
concatenar raciocínios.
Alcançáramos
o coma, em boas condições.
O
Assistente estabeleceu reduzido tempo de descanso, mas volveu a
intervir no cérebro. Era a última etapa. Concentrando todo o seu
potencial de energia na fossa romboidal, Jerônimo quebrou alguma
coisa que não pude perceber com minúcias, e brilhante chama
violeta-dourada desligou-se da região craniana, absorvendo,
instantâneamente, a vasta porção de substância leitosa já
exteriorizada. Quis fitar a brilhante luz, mas confesso que era
difícil fixá-la, com rigor. Em breves instantes, porém, notei que
as forças em exame eram dotadas de movimento plasticizante. A chama
mencionada transformou-se em maravilhosa cabeça, em tudo idêntica à
do nosso amigo em desencarnação, constituindo-se, após ela, todo o
corpo perispiritual de Dimas, membro a membro, traço a traço. E,
àmedida que o novo organismo ressurgia ao nosso olhar, a luz
violeta-dourada, fulgurante no cérebro, empalidecia gradualmente,
até desaparecer, de todo, como se representasse o conjunto dos
princípios superiores da personalidade, momentaneamente recolhidos a
um único ponto, espraiando-se, em seguida, através de todos os
escaninhos do organismo perispirítico, assegurando, desse modo, a
coesão dos diferentes átomos, das novas dimensões vibratórias.
Dimas-desencarnado
elevou-se alguns palmos acima de Dimas-cadáver, apenas ligado ao
corpo através de leve cordão prateado, semelhante a autil elástico,
entre o cérebro de matéria densa, abandonado, e o cérebro de
matéria rarefeita do organismo liberto.
A
genitora abandonou o corpo grosseiro, rapidamente, e recolheu a nova
forma, envolvendo-a em túnica de tecido muito branco, que trazia
consigo.
Para
os nossos amigos encarnados, Dimas morrera, inteiramente. Para nós
outros, porém, a operação era ainda incompleta. O Assistente
deliberou que o cordão fluídico deveria permanecer até ao dia
imediato, considerando as necessidades do “morto”, ainda
imperfeitamente preparado para desenlace mais rápido.
E,
enquanto o médico fornecia explicações técnicas aos parentes em
pranto, Jerônimo convidou-nos à retirada, confiando, porém, o
recém-desencarnado àquela que lhe fora desvelada mãezinha no mundo
físico:
— Minha
irmã pode conservar o filho à vontade até amanhã, quando
cortaremos o fio derradeiro que o liga aos despojos, antes de
conduzi-lo a abrigo conveniente. Por enquanto, repousará ele na
contemplação do passado, que se lhe descortina em visão panorâmica
no campo interior. Além disso, acusa debilidade extrema após o
laborioso esforço do momento. Por essa razão, somente poderá
partir, em nossa companhia, findo o enterramento dos envoltórios
pesados, aos quais se une ainda pelos últimos resíduos.
A
anciã agradeceu com emoção e, dando a entender que lhe respondia
às argüições mentais, o Assistente concluiu:
— Convém
montar guarda aqui, vigilante, para que os amigos apaixonados e os
Inimigos gratuitos não lhe perturbem o repouso forçado de algumas
horas.
A
mãe de Dimas revelou-se muito grata e partimos, em grupo, a caminho
da fundação de Fabiano, de onde nossa expedição socorrista
regressaria à Crosta, no dia seguinte.
Fonte:
Obreiros da Vida Eterna (Ditado por André Luiz. Psicografado
por Chico Xavier. Editora FEB. 1946)
A
Morte de Dimas (Curta metragem espírita com base na obra
Obreiros da Vida Eterna):
O
relacionamento interpessoal revela o comportamento dos indivíduos em
função de si e dos outros. Nos primeiros tentames oculta a
realidade, na grande preocupação da aparência. À medida que
estreita os vínculos, a postura de guarda cede lugar ao relaxamento
emocional, e, a pouco e pouco, a máscara cai.
Esse
fenômeno é resultado da aproximação que o tempo proporciona à
relação.
Nas
pessoas realizadas, saudáveis, a conduta permanece sem surpresas,
porque há uma interação da sua vivência interior com a exterior,
verdadeiro amadurecimento psicológico. Após o autoconhecimento, que
propicia a auto-aceitação, explora-se o exterior, abrindo-se a
experiências, a vivências novas e enriquecedoras. A linha do
equilíbrio demarca a personalidade, sem excentricidades nem bruscas
mudanças como ocorre entre a exaltação e a depressão.
Quem
assim age, encontra-se plenificado, irradiando esse estado de
conquista como pessoa humana.
No
comportamento alternado, em que o júbilo e a tristeza, a confiança
e a suspeita, o amor e a
animosidade
se confundem, o autodescobrimento, a imaturidade programam estados de
instabilidade, de desdita, conduzindo a enfermidades emocionais que
são somatizadas, reaparecendo na área orgânica com caráter
destruidor.
Tais
reflexos, no relacionamento, geram desequilíbrios que se agravam, na
razão direta que se fazem desastrosos, empurrando suas vítimas para
estados obsessivos-compulsivos ou depressivos.
Na
tua ânsia de crescimento experimenta a tua realidade íntima em
confronto com a externa.
Não
te permitas perturbar pelos indivíduos reagentes, que se encontram
de mal com eles próprios e vomitam mau humor contra os
demais. Permanece cortês, para que não seja o seu estado bilioso a
dizer como te comportares.
Por
tua vez, não te transformes em personalidade reatora, aquela
que está sempre reagindo, quando poderia e deveria agir.
A
tua ação e reação traduzem como és interiormente, bem como
sentes e vês em realidade o que se passa em teu mundo íntimo.
Assim,
não desperdices energias mascarando-te, antes aplica-as em contínuo
trabalho de auto- aprimoramento, de crescimento interior até
exteriorizares as conquistas em simpatia, cordialidade e amor.
Qualquer
pretensão de modificar o mundo e fazê-lo girar como te aprouver é
alucinação. Porém, se te dedicares à transformação íntima, que
reflita em alteração de outros comportamentos para melhor, lograrás
alcançar a verdadeira meta do amadurecimento psicológico.
Com
esse aprofundamento no eu espiritual, a saúde plena será tua amiga
na grande proposta que te leva em busca de realização pessoal e
humana.
Jesus
nunca se amesquinhou diante dos
falsamente poderosos ou de classe e economia mais expressivas.
Tampouco se tornou prepotente diante dos fracos e sofredores. A linha
de equilíbrio entre o Seu interior e o exterior, demonstrou a
Sua superioridade moral, espiritual e intelectual, que
O torna Modelo sob
todos os aspectos para todos nós, exemplo de perfeita maturidade
psicológica, porque plenificadora.
Fonte:
Momentos de Saúde e de Consciência (Ditado por Joanna
de Ângelis. Psicografado por Divaldo Franco. Editora Leal. 1991)
Um
dos mais graves problemas humanos está na dificuldade de convivência
no lar. Pessoas que enfrentam desajustes físicos e psíquicos têm,
não raro, uma história de incompatibilidade familiar, marcada por
frequentes conflitos.
Há
quem os resolva de forma sumária: o marido que desaparece, a esposa
que pede divórcio, o filho que opta por morar distante.
Justificando-se
em face das tempestades domésticas alguns espíritas utilizam o
conhecimento doutrinário para curiosas racionalizações:
-
Minha mulher é o meu carma: neurótica, agressiva, desequilibrada.
Que fiz de errado no passado, meu Deus, para merecer esse “trem”?
-
Só o Espiritismo para me fazer tolerar meu marido. Aguento hoje para
me livrar depois. Se o deixar agora terei que voltar a seu lado em
nova encarnação. Deus me livre! Resgatando meu débito não quero
vê-lo nunca mais!
Conversávamos
com idosa confreira que teve conturbada convivência com o esposo,
falecido há alguns anos. E lhe dizíamos, brincando:
-
A senhora vai ficar feliz quando desencarnar. Reencontrará seu
querido. Ele a espera...
A
resposta veio pronta, incisiva:
-
Isso nunca! Prefiro ir para o inferno!
Um
pai nos dizia:
-
Certamente há um grave problema entre mim e meu filho, relacionado
com o passado. Em certas ocasiões sinto vontade de esganá-lo. Ele
me desafia, olha-me com ódio. Preciso controlar-me muito para não
perder a cabeça.
Realmente,
nesses relacionamentos explosivos que ocorrem em muitos lares há o
que poderiamos definir como “compromisso cármico”. Espíritos
que se prejudicaram uns aos outros e que, não raro, foram inimigos
ferozes, reencontram-se no reduto doméstico.
Unidos
não por afetividade, nem por afinidade, e sim por imperativos de
reconciliação, no cumprimento das leis divinas, enfrentam inegáveis
dificuldades para a harmonização, mesmo porque conservam,
inconscientemente, a mágoa do passado. Daí as desavenças fáceis
que conturbam a vida familiar. Naturalmente situações assim não
interessam à nossa economia física e psíquica e acabam por nos
desajustar.
*
*
*
Imperioso
considerar, todavia, que esses desencontros são decorrentes muito
mais de nosso comportamento no presente do que dos compromissos do
pretérito. Não seria razoável Deus nos reunir no lar para nos
agredirmos e magoarmos uns aos outros.
Ouvimos,
certa leita, de Henrique Rodrigues, conhecido expositor espírita,
uma expressão feliz a respeito do assunto:
“Deus
espera que nos amemos e não que nos amassemos”.
E
incrível, mas somos ainda tão duros de coração, como dizia Jesus,
que não conseguimos conviver pacificamente. Reunamos duas ou mais
pessoas numa atividade qualquer e mais cedo ou mais tarde surgirão
desentendimentos e desarmonia. Isso ocorre principalmente no lar,
onde não há o verniz social e damos livre curso ao que somos,
exercitando o mais conturbador de todos os sentimentos, que é a
agressividade.
Neste
particular, o estilete mais pontiagudo, de efeito devastador, é o
palavrão. Pronunciado sempre com entonação negativa, de desprezo,
deboche ou cólera, é qual raio fulminante. Se o familiar agredido
responde no mesmo diapasão, o que geralmente acontece, “explode”
o ambiente, favorecendo a infiltração de forças das sombras. A
partir daí tudo pode acontecer: gritos, troca de insultos, graves
ofensas e até agressões físicas, sucedidos, invariavelmente, por
estados depressivos que desembocam, geralmente, em males físicos e
psíquicos.
Se
desejamos melhorar o ambiente doméstico, em favor da harmonização,
o primeiro passo é inverter o processo de cobrança.
Normalmente
os membros de uma casa esperam demais uns dos outros, reclamando
atenção, respeito, compreensão, tolerância... Amoral cristã
ensina que devemos cobrar tudo isso sim, e muito mais, mas de nós
mesmos, porquanto nossa harmonia íntima depende não do que
recebemos, mas do que damos. E, melhorando-nos, fatalmente
estimularemos os familiares a fazer o mesmo.
Todos
aprendemos pelo exemplo, até o amor. Está demonstrado que crianças
carentes de afeto têm muita dificuldade para amar. Será que estamos
dando amoraos familiares?
Não
é fácil fazê-lo porquanto somos Espíritos muito imperfeitos. Mas
foi para nos ajudar que Jesus esteve entre nós, ensinando-nos como
conviver harmoniosamente com o semelhante, exercitando valores de
humildade e sacrifício, marcados indelevelmente pela manjedoura e
pela cruz.
Um
companheiro afirma, desalentado:
-
Tenho feito todo o possível para harmonizar-me com minha esposa,
cumprindo o Evangelho. Esforço quase inútil, porquanto ela é uma
pessoa intratável, sempre irritada e agressiva. Não sei o que
fazer...
Talvez
lhe falte um tanto mais de perseverança, já que é impossível
alguém resistir indefinidamente à ação do Bem. Parta-se do
princípio lógico: “Quando um não quer, dois não brigam”. Não
existem brigas unilaterais.
Em
qualquer circunstância, em tavor de nossa paz, é importante
perseverarmos nos bons propósitos, cumprindo a recomendação de
Jesus: Perdoar não sete vezes, mas setenta vezes sete.
Quem
sempre perdoa, mantém sempre o próprio equilíbrio.
A
propósito, no livro “A Sombra do Abacateiro” o autor, Carlos A.
Baccelli, reporta-se a sugestivo episódio relatado por Francisco
Cândido Xavier. Diz o querido médium:
“Em
Pedro Leopoldo, fomos procurado por uma senhora sofredora que era
casada há dezoito anos... Tinha lições difíceis para dar; seu
esposo e seus dois filhos eram complicados; era obrigada a pensar em
perdão, em bondade e em compaixão muitas vezes por dia.
“E
pedia a Emmanuel uma orientação. Ele respondeu que ela deveria
continuar perdoando sempre. Ela replicou que já estava cansada,
doente, ao que o nosso Benfeitor redarguiu, lembrando que existiam
milhões de pessoas no mundo, cansadas e doentes também... Emmanuel
recordou o que disse Jesus a Pedro - perdoarás setenta vezes sete.
“Aquela
irmã respondeu, então: - Olha, meu caro Amigo, eu já fiz as contas
e eu já ultrapassei, em dezoito anos, o número quatrocentos e
noventa...
“Depois
de uma breve pausa, Emmanuel lhe falou, por fim: - Mas você se
esqueceu de uma coisa; é perdoar setenta vezes sete cada ofensa... ”
-
Exerça severa vigilância sobre o que fala. Geralmente as desavenças
no lar têm origem no destempero verbal.
-
Diante de familiares difíceis, não diga: “É minha cruz!” O
único peso que carregamos, capaz de esmagar a alegria e o bom-ânimo,
é o de nossa milenar rebeldia ante os sábios desígnios de Deus.
-
Elogie as virtudes do familiar, ainda que incipientes, e jamais
critique seus defeitos. Como plantinhas tenras, tanto uns como outros
crescem na proporção em que os alimentamos.
-
Evite, no lar, hábitos e atitudes não compatíveis com as normas de
civilidade vigentes na vida social. Sem respeito pelos companheiros
de jornada evolutiva fica difícil sustentar a harmonia doméstica.
-
Cultive o diálogo. Diz André Luiz que quando os componentes de um
lar perdem o gosto pela conversa, a afetividade logo deixa a família.
Fonte:
Uma Razão para Viver (Richard Simonetti. Editora CEAC. 1989)